segunda-feira, 11 de abril de 2011

Comemorando qual Páscoa?

MARATONA


            A tia Gui está ajudando suas irmãs no preparo da maratona gastronômica de Páscoa. Nestes dias, após as missas obrigatórias, muitas coisas se têm para fazer. No passado a celebração iniciava na quinta-feira, mas atualmente o mercado, não podendo suportar tantos feriados sem lucrar, exige seu começo às sextas-feiras. Elas tinham a obrigação de preparar o peixe (bacalhau pra quem tem posses e sardinhas pra grande maioria). Era o dia da proibição do consumo de carne, mas permitido beber vinho. Os quarenta dias de jejum purificador e desenvolvimento pessoal se perderam nas eras e reza a tradição atual se sujeitarem a passar um dia, quase sem matar ninguém, porque os peixinhos morreram em seu “sacrifício”.

Quando chega o sábado de aleluia, aí tudo pode, tem churrasco o dia todo, um cabrito assado, grelham uma coluna vertebral bovina, tem malhação do Judas e as divergências entre traidor ou agente. No jantar tem macarronada como fonte de energia, para aguentar firme o baile da noite e na volta ninguém pode dormir sem tomar uma canja de galinha gorda, em surdina, antes que o galo perceba e cante de saudades pela companheira morta. A cidade se recolhe e pode dormir o sonho dos praticantes.

No domingo, às dez horas da manhã tem a missa de Páscoa, com a atenção dos ouvintes concentrada no almoço especial, que os esperam em casa. Numa alternância de palavras decoradas, com alguns momentos de silêncio, seguidas de algumas leituras, em que todos escutam com ouvidos surdos pelo cansaço. Os jovens cochilando, as crianças brincando e os homens cumprindo tabela, com as mulheres ansiosas pelos afazeres no lar. A tia Gui não foge à regra e antecipa o cansaço pensando no trabalho de cozinhar, limpar e arrumar, querendo ser mais informal usando o máximo possível de descartáveis, não importando se a Mãe Terra ainda suporta tudo isto.

            No almoço de Páscoa são servidas carnes com fartura de acompanhamentos. Alguma salada, destas vendidas ensacadas pelos mercados, tão práticas que já vem “limpas” e é só colocar na mesa para enfeitar e aliviar o peso da consciência das mães zelosas. Fechando a comemoração do empantulhamento coletivo servem-se as sobremesas.

Na hora da Celebração, o celofane é deflorado, o alumínio é rasgado e com grandes nacos da iguaria nas mãos iniciam a cerimônia de devorar chocolates. Representando a reposição das necessidades energéticas gastas, para suprir as imposições do consumo.

É o clímax do Renascimento simbolizando o início da nova rodada de compras. Serão cremes para espinhas, planos em academias de ginástica e todos seus acessórios (roupas especiais para praticar esportes, principalmente os tênis de última geração, usados por atletas profissionais, pois temos que andar quarenta minutos numa esteira elétrica, duas vezes por semana), revistas femininas com regimes milagrosos, combustíveis fósseis nos veículos (que te levam e trazem da ginástica), entre outros. Celebrando assim, a vida consumida aqui, não gerando créditos à outra, que ninguém escapa.

            Os glutões se engalfinhando com os ovos, num consumo insano regozijam o doce, esquecendo que “amargas” são as exigências da vitória.


Livro: "Casos para Causos", págs.33/34, Ícone Editora, 2010