segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A inconstitucionalidade das mudanças pretendidas no Novo Código Florestal Brasileiro

Abaixo eu escrevo algumas interpretações jurídicas em defesa do nosso Código Florestal Federal, Lei nº 4.771, promulgada no ano de 1965 e ainda atual de conhecimentos científicos e proteção ambiental.
Transcrevo e concordo plenamente com as seguintes posições do artigo: “Código Florestal: em defesa das nossas florestas e do nosso futuro” (Silva/Figueiredo/Leuzinger/Nuzzi Neto), da publicação “Reforma do Código Florestal: Limites Jurídicos”, organizada por André Lima, Paula Lavratti e Vanêsca Buzelato Prestes (2011), página 84: “... da desnecessidade e da improbidade da alteração do Código Florestal por meio de medida provisória que não atendia aos critérios de urgência e relevância, e da falta de legitimidade do processo por não ter sido votado pelo Congresso Nacional, parecem, agora, carecer de nova reflexão, à luz do princípio da proibição de retrocesso da proteção ambiental (grifo meu). A ascendência que a bancada ruralista exerce sobre os demais congressistas, excetuados aqueles que compõem a chamada bancada ambientalista, é notória. O discurso de que os dispositivos insertos no Código Florestal, em especial aqueles referentes às APPs e às áreas de reserva legal, impedem (o) desenvolvimento do país, falacioso. Isso significa que os representantes de uma pequena porção da população brasileira – os grandes latifundiários – estão conseguindo manobrar o Congresso Nacional, de forma a emprestar legitimidade a propostas que não espelham, de maneira alguma, os interesses da ampla maioria do povo brasileiro. Flexibilizar o Código Florestal significa aumentar tremendamente o desmatamento e alterar o ciclo hidrológico e, em iguais proporções, diminuir significativamente a qualidade de vida de toda a população (grifo meu). E para que finalidade? Melhorar os ganhos de todos? Certamente não, pois somente os grandes proprietários de terras, que plantam soja para alimentar os rebanhos do primeiro mundo, lucrarão. Em outras palavras, sequer o argumento de segurança alimentar é real, pois as grandes monoculturas não se destinam a produzir alimentos para o povo brasileiro”. E mais adiante na página 85 e 86 continua “... não consideraram o posicionamento da comunidade científica, mas tão somente interesses de uma parcela da sociedade brasileira, a do agrobusiness, interessada na expansão desenfreada da fronteira agrícola, sem levar em consideração a necessidade de proteção da biodiversidade e das diversas paisagens no país, bem como o bem estar de toda a população e a segurança alimentar (que não significa, nesse caso, a necessidade da expansão da fronteira agrícola). A redução das reservas legais florestais e das áreas de preservação permanente – nichos de biodiversidade – pode tornar mais frágil o sistema e provocar impactos em termos de segurança alimentar, tornando o abastecimento de alimentos vulnerável. Isso porque a segurança alimentar não está associada à produção de alimentos para exportação, à monocultura extensiva, tal qual no discurso da bancada ruralista, mas sim à necessidade de assegurar condições para a própria produção de alimentos, que está diretamente relacionada à fertilidade do solo, que depende, por sua vez, da manutenção da diversidade biológica e dos recursos hídricos, ou seja, das florestas”.
No parágrafo abaixo continua: “... processo legislativo... classificado como pseudocientífico e pseudodemocrático... (com) incoerências e inconsistências... não se coaduna com os interesses de assegurar dignidade de vida às populações presentes e futuras e nem tampouco se direciona a propiciar segurança alimentar... os grandes latifúndios não se destinam à produção de alimentos para os brasileiros, como há imensa área já devastada e improdutiva, que supre, com larga folga, a demanda por terras para novas lavouras”. E encerra o pensamento dizendo da “falta de participação popular no processo de alteração do Código Florestal”.
O artigo 225, da Constituição Federal, de 1988, diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo às presentes e futuras gerações”, e como ensina o professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, no Curso de Direito Ambiental Brasileiro (Editora Saraiva, 12ª edição, 2011, páginas 66 e 67), “o art.225 estabelece quatro concepções fundamentais no âmbito do direito ambiental: a) de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; b) de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado diz respeito à existência de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, criando em nosso ordenamento o bem ambiental; c) de que a Carta Maior determina tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de defender o bem ambiental, assim como o dever de preservá-lo; d) de que a defesa e a preservação do bem ambiental estão vinculadas não só às presentes como também às futuras gerações”. Lembrando que todo o sistema constitucional brasileiro é embasado na proteção do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art.1º, III), toda discussão tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado é inócua, sem sentido e uma tremenda perda de tempo e dinheiro, porque é gritante a inconstitucionalidade do projeto de lei que quer alterar o Código Florestal, primeiro por não se fiar à preservação do bem ambiental e muito menos, à sua proteção, visto as insistentes tentativas, todas ambientalmente irresponsáveis, para diminuir as áreas protegidas, em detrimento à sadia qualidade de vida de todos os cidadãos. Um retrocesso e diminuição das proteções alcançadas desde 1965, ferindo assim, outra norma basilar, e, em segundo lugar, desregrando a conduta ética com atos extremamente egoístas e imediatistas ao não considerar os direitos das futuras gerações.
Na mesma linha de pensamento colabora o artigo: “Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal: Análise Comparativa entre o atual Código Florestal Federal (Lei nº 4.771/65) e o Substitutivo do PL nº 1.876/1999 (novo Código Florestal)” de Gustavo Trindade, na mesma publicação acima citada discorre sobre o projeto de lei dizendo: “... parece ter sido realizado, quase que exclusivamente, para satisfazer os interesses de parte do setor ruralista, em especial, daqueles que, ao longo de mais de quatro décadas, se negaram a cumprir a Lei Federal nº 4.771, de 1965”. Ou seja, quando o Ministério Público, incumbido de suas novas funções após a Constituição Federal de 1988, passa a exigir o cumprimento da lei, alguns pares da elite ruralista brasileira, em total desrespeito e despudor, não se submetem à norma e a enfrentam, nestas tentativas de mudar o Código, para que este se adeque aos seus interesses. E a história dos limites entre o público e o privado e sua miscigenação nebulosa com a minoria que detém o poder no país se repete. E para piorar e perpetuar o total arrepio à lei continua Gustavo Trindade: (o projeto de lei) “concede “anistia” aos proprietários ou possuidores que praticaram infrações em razão da supressão irregular de vegetação nativa em tais espaços especialmente protegidos”, caracterizando uma manobra explícita de legislar em causa própria.
Outro agravante e falta de visão de futuro é a insistência de nossos legisladores para percorrer o caminho contrário das necessidades estruturais de mitigação e resiliência deste momento crítico da questão ambiental mundial. Rumo desejado em flagrante retrocesso e descompasso frente a imperiosa necessidade global de preservação e recuperação dos ecossistemas. Como ensina Ronaldo Seroa da Mota e Carolina Burle Schmidt Dubeux, no artigo: “Mensuração nas políticas de transição rumo à economia verde”, na publicação “Política Ambiental”, caderno de junho de 2011, título: “Economia Verde: desafios e oportunidades”, da Conservação Internacional – Brasil, páginas 217 e 218, “... a primeira condicionante é a consolidação e codificação da legislação ambiental e a criação do espaço legal para a adoção de instrumentos. A segunda é o reconhecimento do espaço fiscal desses instrumentos no sistema tributário brasileiro” e “... a remoção de incentivos perversos à construção de uma economia verde somente será viável com um trabalho conjunto do sistema de regulação ambiental e com o de regulação setorial que viabilize compromissos de diagnóstico, avaliação e encaminhamento das ações de redefinição dessas políticas setoriais”, em suma, para precificar os bens de mercado, devemos considerar a degradação ambiental, a quantidade de água utilizada na cadeia produtiva, as distâncias percorridas, o tipo de combustível/energia utilizados, entre outros indicadores, que somados aos custos de produção podem desmascarar o sistema perverso de hoje. Por conseguinte, a valorização da floresta em pé será automática, principalmente na implantação do desenvolvimento sustentável e da economia verde, fato que nossos legisladores do Novo Código Florestal, de forma retrógrada, arcaica e rompendo com as tendências modernas, não estão contabilizando. Assim, as áreas de preservação permanente e reservas legais têm valor agregado altíssimo e com políticas e ordenamentos corretos, quando preservadas, para ficar só na esfera econômica, gerarão rendimentos aos seus proprietários num futuro mercado de carbono.
Encerrando, não há necessidade de nenhum aprofundamento jurídico para deflagrar tamanha inconstitucionalidade nestas seguidas tentativas de mudança da lei, e frente aos atuais problemas climáticos é mister atualizar a legislação sim, mas de forma que o Novo Código Florestal seja mais rígido, cientificamente atualizado, com princípios de precaução e antecipação como ferramentas para enfrentar, da melhor forma possível, as anunciadas catástrofes climáticas, já em andamento, elaborado com fidelidade democrática e participativa, e jamais impregnado de interesses menores.
Fernando J.P. Neme