sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Respostas ao Questionário Rio+20 do MMA

O texto é um pouco longo, mas torno público meu entendimento e minhas respostas para quem quiser compartilhar.

1. A Conferência deverá estabelecer a nova agenda internacional para o desenvolvimento sustentável para os próximos anos. Para que o Brasil exerça a liderança desse processo, deverá apresentar propostas para uma agenda de vanguarda, que eleve os níveis de ambição dos atuais debates. Qual seria a contribuição do Brasil nesse contexto?

R. O Brasil como potência ambiental (biodiversidade, potencial hídrico, solar e biomassa para geração de energia, agricultura orgânica em expansão e reservas de água doce) deve mostrar suas ações e cobrar dos países desenvolvidos resultados mais eficientes e comprometidos, ou seja, colocar em prática as discussões dos últimos 20 anos.
Sobre o assunto desenvolvimento sustentável pela economia verde deverá levar propostas para a erradicação da pobreza e extinção das diferenças entre grandes fortunas e miserabilidade, modelos de governança participativa com a sociedade e a inclusão da justiça ambiental na pauta das discussões.
Por justiça ambiental se entende o tratamento equânime e o envolvimento pleno de todos os grupos sociais independentes de sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em seus territórios.
Defender os recursos ambientais como bens coletivos (atuais e futuros) com apropriação e gestão decorrentes de debates públicos e exercendo o controle social. Proteger os direitos das populações do campo e da cidade contra a discriminação sócio-territorial e a desigualdade ambiental. Garantir a saúde coletiva respeitando o acesso equilibrado aos recursos ambientais (preservação e combate às degradações ambientais: poluição, contaminação e intoxicação química, em especial as populações que vivem e trabalham nas áreas de influência dos empreendimentos industriais e agrícolas). Ser mais ativo e pioneiro na criação da figura jurídica dos refugiados do clima e defender seus direitos exigindo que as políticas de mitigação e adaptação priorizem a assistência aos grupos diretamente afetados. Valorizar as diferentes formas de viver e de produção local, reconhecer e proteger a entidade da Natureza e o jeito tradicional de vida como versa a Constituição do Equador/2008 e enaltecer a contribuição que grupos indígenas, comunidades tradicionais, agroextrativistas e da agricultura familiar podem ensinar sobre equilíbrio e conservação dos ecossistemas. E por último, a alteração radical do atual padrão de produção e consumo.

2. Como poderá a Conferência causar impacto no debate interno sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil e contribuir para as necessárias transformações do país rumo a sustentabilidade?

R. O Brasil deve dar ênfase a conscientização ambiental de seus cidadãos e aproveitar a oportunidade para instalar políticas públicas efetivas de educação ambiental a começar pela regularização total e urgente da Lei Nacional de Resíduos Sólidos.
sustentabilidade está diretamente vinculada às atitudes individuais e estas surgem ou pela conscientização ou pela lei. Ela começa nas ações individuais e reverberam no coletivo. Por meio da educação ambiental será possível a sociedade civil desenvolver a economia verde.
No âmbito estrutural, o desenvolvimento sustentável é de responsabilidade coletiva dos organismos internacionais, governos nacionais, empresas, sociedade civil, consumidores e indivíduos.
Desenvolvimento não é o aumento do poder de consumo, e sim a evolução da qualidade de vida das pessoas.

3. Como poderá a Rio+20 assegurar a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável? Como poderá contribuir para o fortalecimento do multilateralismo, ultrapassando as divisões tradicionais (exemplo: Norte-Sul)?

R. No âmbito interno, a exposição na mídia pode atrair o interesse no assunto e criar a oportunidade para comprometer o poder legislativo com a transição para a economia verde, inclusão social e erradicação da pobreza, principalmente exigindo a regulamentação do dispositivo constitucional do imposto progressivo para grandes fortunas e fomentar a equidade social total (países, estados e regiões).
Na elaboração de políticas públicas os projetos devem respeitar os biomas e as bacias hidrográficas. Para evitar abusos contra a cultura tradicional é preciso proibir registro de patentes comerciais (nacionais e internacionais) sobre o conhecimento ancestral. Incentivar a produção de sementes orgânicas e crioulas e visando garantir a soberania alimentar não permitir as patentes de sementes pelas empresas privadas. Proibir a captação profunda de água nas fontes minerais e ter uma política de extração com regras rígidas embasadas na ciência preservacionista que respeita o ciclo natural.
No âmbito mundial, ser exemplo de sustentabilidade com atitudes e gerar a envergadura moral necessária para exigir dos demais países as mesmas ações. Para começar, poderia desistir da cadeira permanente no Conselho de Segurança na ONU e trocar os discursos que faria naquela casa por realizações concretas e exercício de liderança para extinguir todas as diferenças econômicas entre os países desenvolvidos do hemisfério norte e a miséria e descaso que sofre muitos países do hemisfério sul, em especial a África.

4. Quais são os principais avanços e lacunas na implementação dos documentos resultantes das Cúpulas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro, 1992 e Joanesburgo, 2002)?

R. Avanços: as discussões sobre o tema, a assinatura de tratados e compromissos e o engajamento da sociedade civil nas discussões.
Lacuna: faltam medidas contra o excesso de poder e interferência dos grupos financeiros e econômicos nas políticas públicas mundiais e o triste esquecimento da vida planetária como a maior riqueza.

5. Quais são os temas novos e emergentes que devem ser incluídos na nova agenda internacional do desenvolvimento sustentável? Quais temas contemplam, de forma equilibrada, as dimensões ambientais, sociais e econômicas?

R. Tema emergente é o socioambientalismo e seu entendimento de que as questões ambientais e sociais andam juntas e se completam. Pregar a distribuição de riquezas pela política ambiental por intermédio da justa e equilibrada distribuição dos lucros obtidos do extrativismo, manejo ecológico e conhecimentos tradicionais dos recursos naturais entre as empresas e toda a comunidade envolvida.
Para equilibrar as dimensões ambientais, sociais e econômicas é necessário criar um selo de eficiência sustentável para ajudar na escolha do consumidor, com medidores da pegada ecológica, hídrica, energética, do modo de produção e número de etapas necessárias na manufatura, com a distância total percorrida até o consumidor final e mais a tabela de impostos totais que incidem sobre o produto. Cada setor deve ser classificado pela quantidade de energia que gasta em sua produção.

6. A economia verde deve ser uma ferramenta do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, novos padrões de consumo e produção devem guiar as atividades econômicas, sociais e ambientais. Quais seriam esses novos padrões?

R. Linhas de crédito aos seguintes setores:
Eficiência energética: redução de perdas na produção e transmissão de energia elétrica; isolamento de tubulações; sistemas de recuperação de calor; instalação de equipamentos que reduzam o consumo energético; melhoria de sistema de iluminação e refrigeração, diminuição das perdas na distribuição de água potável etc.
Manejo de resíduos e saneamento: sanções aos que não reciclam; queima de biogás em aterros para geração de energia elétrica; obrigatoriedade da compostagem em parques, condomínios e residências; redução de resíduos na fonte; adaptação de sistemas de tratamento de esgoto tanto para processos anaeróbicos com recuperação e queima do metano em pequenas unidades locais quanto para processos biológicos e naturais etc.
Transporte: substituição de fontes de energia extrativistas não renováveis por fontes limpas e renováveis para os transportes públicos e privados; impor limitações de potência aos motores automotivos; preferência pela política pública da mobilidade humana pelo transporte coletivo etc.
Construção civil: utilização de técnicas sustentáveis com o uso de materiais locais e renováveis, retrofit de edifícios existentes; leis obrigando reuso da água, eficiência energética e térmica etc.
Processos industriais: substituição dos gases CFCs, HFCs, HCFCs, PFCs, SF6 na produção; redução de perdas; responsabilidade reversa dos resíduos sólidos; tratamento da água nas plantas industrias para reuso e saneamento ecológico na ponta final antes de enviar à rede de esgoto; compra e instalação de equipamentos para produção de energia renovável (placas solares, aerogeradores, caldeiras a biomassa, pequenas centrais hidrelétricas, biogás de aterros etc.)
Agroindústria: privilegiar a agricultura orgânica familiar em pequenas propriedades e fomentar a diversidade de culturas e técnicas agroflorestais para aumentar a garantia alimentar e produtiva e diminuir o risco das quebras de safras nas monoculturas e da produção centralizada; criação e recuperação de áreas verdes (reflorestamento com espécies nativas); rever as normas de reflorestamento, principalmente para tornar obrigatório o plantio de pelo menos 85 espécies nativas na área e extinguir a noção de plantio em linha ser área reflorestada; recomposição de matas ciliares e nascentes sob pena de sanções monetárias; simplificar e isentar de taxas e impostos o registro das RPPNs e Reservas Legais; valorizar a propriedade com isenção de impostos e fonte de renda aos proprietários rurais e urbanos com a venda dos créditos de carbono das suas áreas preservadas etc.
Elaboração de inventário de emissões de gases de efeito estufa e elaboração de projetos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) para o comércio de créditos de carbono baseado em projetos de sequestro ou mitigação.
A migração para a economia verde deve ser sem reduções dos postos de trabalho, com mais justiça social, com distribuição de tecnologia irrestrita e assistindo os setores mais pobres da população.

7.Há consenso político de que as políticas e instrumentos para a implementação da economia verde deverão variar de acordo com o contexto de cada país. Com essa premissa, e considerando o desafio da erradicação da pobreza, como a transição para uma “economia verde” pode ser inclusiva e contemplar princípios de equidade entre gerações, entre países e dentro de um mesmo país?

R. O conceito de uma economia verde deve romper com os paradigmas atuais que sustentam grande parte do pensamento econômico moderno e deixar de ser totalmente desenvolvimentista e materialista para combater os extremos da pobreza e da riqueza e suas injustiças sociais exigindo soluções multilaterais e intergovernamentais.
A inovação tecnológica não resolve sozinha a questão se não frearmos o consumo e não resgatarmos os modos de vida das culturas tradicionais e não dependentes do petróleo. A solução inteligente, socialmente justa, ética e efetiva é trabalhar na causa do problema e no foco principal, que é evitar o consumo excessivo, limitar a criação de necessidades para extinguir a obsolescência programada, universalizar o acesso à comunicação e tornar obrigatório o selo sustentável para regulamentar a produção sempre privilegiando a economia local, cooperativista e solidária.
País comprometido com a estabilidade climática e sustentabilidade socioambiental global cuida de todos os cidadãos e espécies do planeta e não apenas de suas fronteiras.

8. Qual o modelo de estrutura institucional que permite integrar melhor as agendas e atividades das instituições responsáveis pelos pilares econômico, social e ambiental do desenvolvimento sustentável, nas esferas internacional e nacional?

R. A promulgação de uma Declaração Mundial do Meio Ambiente e Ética da Sustentabilidade (cuidar da terra e cuidar das pessoas) com padronização da produção priorizando a preservação, com normas eficazes e fiscalização por parte da sociedade civil (educação ambiental e consumo consciente). No processo de governança internacional incluir um conselho de políticas de sustentabilidade com o objetivo de conduzir as ações e controlar os abusos.

9. Quais sugestões poderiam ser feitas para que a implementação de projetos de agências internacionais no País seja realizada de forma coordenada, evitando a duplicação de esforços?

R. Mantendo um cadastro atualizado na página da internet do governo das atividades nacionais e comunicação constante em todo território.

10. Como fortalecer a governança ambiental internacional, particularmente o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em seu papel de apoiar os países na implementação dos compromissos ambientais e de formação de capacidades, promovendo a melhor interação entre os acordos multilaterais ambientais, entre si e com o Programa?

R. Dando poderes ao PNUMA de pleitear embargos econômicos contra os países transgressores, linhas de financiamento para implantação do desenvolvimento sustentável aos países menos favorecidos e autoridade de partilhar toda tecnologia verde para evitar novas desigualdades entre as nações.

11. Qual o papel dos atores não-governamentais no sistema multilateral e de que forma as estruturas de governança das Nações Unidas podem viabilizar a participação e o reconhecimento das visões e demandas desses atores, de forma a não só influenciar o processo decisório como, também, de torná-los mais comprometidos com a implementação das decisões?

R. O papel dos atores não-governamentais no sistema multilateral é fazer o controle social do processo. O papel da sociedade civil organizada é manter a sua integridade sustentável, precaver os danos ambientais, defender seus princípios socioambientais, os interesses difusos, o direito das minorias e do interesse público num estado de direito e democracia por via judicial.
O papel das pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras é representar os interesses coletivos junto ao poder público no exercício da cidadania planetária.